sábado, 8 de agosto de 2009

Requiem

O herói solitário, vagava pensativo pelas matas do Norte. A floresta sombria não lhe causava medo, havia se acostumado com o sombrio há muito tempo. A espada embainhada cintilava ao encontrar-se com os poucos raios de luar que venciam as densas copas das árvores. A vida lhe passava a mente, a recente tragédia cobria seus sentidos. Amortecido e anestesiado, ouvia novamente os terríveis sons do desespero. Sua amada, tão amada, há três dias e duas noites havia partido, deixado desolado nosso herói. Foi-se não por vontade, mas por tragédia. Teve a vida tirada brutalmente em meio a Grande Batalha dos Quatro Exércitos. Os Dois Exércitos do Norte venceram, mas a vitória teve gosto amargo para o Herói, pois em um último ato de maldade, seus inimigos haviam lhe tirado sua bela noiva. Encontrou-a a tempo de ver a vida esvair de seus olhos, e o último suspiro lhe deixar os pulmões. Os inimigos já estavam mortos, não havia de quem vingar-se...e assim voltamos para as matas do Norte. Sentia que vagaria eternamente, até morrer de sede e fome. A vontade de viver jazia morta ao lado de sua amada. Não havia comemorado a vitória. Não bebera do melhor vinho e não desfrutara do suntuoso banquete. De que serve a vida sem ter com quem partilha-la? Essa era a pergunta que rondava sua cabeça, como um corvo agourento.
Parou. Viu ao longe, em uma pequena clareira perto dos grandes carvalhos, um casebre de onde emanava suave luz alaranjada. Sentiu-se impelido a buscá-lo, e sem saber ao certo o por quê, seguiu em direção a ele. Quanto mais avançava, mais sentia vontade de avançar. O casebre era simples, a luz alaranjada misturava-se com o luar, formando um espetacular brilho, que não passou despercebido por nosso herói. Sem cerimônias, abriu a porta. O casebre era de um só cômodo, e não havia ninguém lá. A luz alaranjada vinha da lareira, acesa e preenchida por fogo vivo e cativante. Do outro lado do cômodo, ao lado de uma janela, havia um piano, fabulosamente iluminado por aquela mistura de luzes. Nosso herói nada fez, havia sido transportado subitamente para sua infância, quando tocava alegremente, com suas mãozinhas pequenas, melodias de sua autoria. Finalmente, sentou-se em frente ao piano. Olhou a paisagem pela janela, os carvalhos, o balançar das folhas, sentiu uma brisa. Suas mãos guiaram-se sozinhas ao piano e sem tentar conter-se pressionou algumas teclas. O som encheu o casebre, e encheu a alma do Herói. Seguiu-se o mais belo Requiem já tocado em todos os quatro ventos. Embebido de música, o coração de nosso herói acalmou-se. E foi quando viu, surgindo na mistura da luz do luar e da luz do fogo, o rosto de sua amada sorrindo-lhe. Sorriu de volta e com uma lágrima a rolar pela face, ouviu o som doce da voz de sua noiva dizer-lhe..."Viva". Não havia parado de tocar e não parou. Cada nota lhe tomava o corpo e lhe devolvia a vida. Tocou até suas mãos doerem e adormeceu. Pela primeira vez desde a tragédia, sonhou sonhos alegres. Acordou no meio da clareira, ao som da cantoria dos pássaros e tocado pelos raios de Sol. O casebre havia sumido, o piano, a lareira, a luz alaranjada. Levantou e olhou em volta. Recordou-se da noite anterior e sorriu. Sorriu mais uma vez. Havia decidido viver. Sacudiu as folhas da roupa e seguiu, não mais pensativo, não mais amortecido, não mais anestesiado, e sim feliz. Via a beleza do caminho e cantarolava melodias alegres. O brilho espetacular da noite anterior havia sumido da paisagem, mas continuava vivo e forte em seu coração.
Marília M.
"Lux Aeterna"

2 comentários:

Rafaela disse...

Perfeito Mah..adorei o texto..
E a música no vídeo..ótima..a pessoa toca mto cara..
E tu escreve mtooo bem...

Lua disse...

Lindo texto!
Puxa, nem sempre é fácil se desvencilhar de uma dor causada por perda. Eu sempre recorro à música tb.
Tenho quedas gigantescas por pianos! Ei, continu escrevendo e diga para o seu amigo continuar tocando. A música é linda.
Beijos!