quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Silêncio



Toda a liberdade para dizer e fazer
Todo o momento propício a qualquer coisa
Mas...o silêncio.
Os pés grudaram-se no chão
A boca fechou-se em túmulo
Os braços enrigeceram
E ficamos ali.
Duas estátuas guardiãs
Mudas em seu mármore frio
Incapazes.
Do toque ou da fala...
Como se não sentissem nada.

domingo, 25 de outubro de 2009

Sonho

Suavemente descoberta pela lua
O luar empalidece a pele morena
E empresta seu brilho às curvas do corpo
O contraste de luz e sombra o envolve de mistério e beleza
Em movimentos delicados e suspiros profundos
Seus braços se movem lentamente
Leva as mãos aos cabelos e seus dedos mergulham entre eles
Mais suspiros...
...e agora sorrisos...
De olhos ainda fechados, sussurra o nome
Daquele com quem sonhou
...de novo...e de novo
Vira-se e o abraça...
Ele está ali, dorme e respira profundamente
O sonho da madrugada foi apenas uma lembrança do dia anterior
Adormece novamente, enlaçada por seus sonhos...e os braços dele.

Marília M.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Que será, que será...

"Cecília, como sempre, subiu ao palco resoluta. Mergulhada em aplausos do teatro lotado, caminhava suavemente até o centro. A suavidade era sua marca, presente em seus gestos, seu andar e sua tímida voz. Deslizava com seu vestido azul claro como se estivesse entre nuvens, e a leveza do vestido contribuía para a atmosfera branda que pairava sob o palco.
Entre os burburinhos, empunhou o violino. Era a ordem de silêncio. A platéia calou-se de imediato, aguardando ansiosa e atenta o início da performance. O foco de luz limitou-se a Cecília, abandonando em breu o resto do palco. E então o espetáculo começou. A música vinha calma, como uma extensão da própria violinista, uma sucessão melodiosa de notas saltitando pelo ar. A composição era de sua autoria, a obra mais verdadeira que já havia criado. Não foi pensada e nem planejada, simplesmente fluiu, em um momento em que nada fluía.
Dos assentos era impossível ver a feição de Cecília, que mudava juntamente com a música. O que calmo era transformou-se em intenso, forte e rápido. Para alguns, essa era a prova do inestimável talento da violinista. Sua capacidade de brincar com os dedos tirando do instrumento as mais variadas e aparentemente incompatíveis melodias para depois, de forma divina, juntá-las em uma obra só, surpreendendo a todos com a beleza nascida ali."



Parte de alguma coisa que ainda não sei o que é, talvez continue...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Dia de chuva

No céu as nuvens pairam escuras e densas, com um aspecto que à outros olhos é assustador e aos meus, é sublime. O olhar mira o alto suplicando o melhor, torcendo pelo melhor. E ele vem. Vento, trovão, chuva. Solto os cabelos e fecho os olhos, permito-me sentir o movimento caótico do vento, mudando alternadamente de direção e força. As gotas de chuva caem frias no rosto, nos ombros. Como vários beijos, recebidos pelo corpo quente com suaves arrepios. O aroma, o som. A terra molhada e a sinfonia de gotas em folhas, galhos, pessoas. Há de mim, suspiros de satisfação, o momento faz-me plena e plena permaneço enquanto durar o momento. Uma alegria possível, esporática mas, ainda assim, possível.

Marília M.

sábado, 8 de agosto de 2009

Requiem

O herói solitário, vagava pensativo pelas matas do Norte. A floresta sombria não lhe causava medo, havia se acostumado com o sombrio há muito tempo. A espada embainhada cintilava ao encontrar-se com os poucos raios de luar que venciam as densas copas das árvores. A vida lhe passava a mente, a recente tragédia cobria seus sentidos. Amortecido e anestesiado, ouvia novamente os terríveis sons do desespero. Sua amada, tão amada, há três dias e duas noites havia partido, deixado desolado nosso herói. Foi-se não por vontade, mas por tragédia. Teve a vida tirada brutalmente em meio a Grande Batalha dos Quatro Exércitos. Os Dois Exércitos do Norte venceram, mas a vitória teve gosto amargo para o Herói, pois em um último ato de maldade, seus inimigos haviam lhe tirado sua bela noiva. Encontrou-a a tempo de ver a vida esvair de seus olhos, e o último suspiro lhe deixar os pulmões. Os inimigos já estavam mortos, não havia de quem vingar-se...e assim voltamos para as matas do Norte. Sentia que vagaria eternamente, até morrer de sede e fome. A vontade de viver jazia morta ao lado de sua amada. Não havia comemorado a vitória. Não bebera do melhor vinho e não desfrutara do suntuoso banquete. De que serve a vida sem ter com quem partilha-la? Essa era a pergunta que rondava sua cabeça, como um corvo agourento.
Parou. Viu ao longe, em uma pequena clareira perto dos grandes carvalhos, um casebre de onde emanava suave luz alaranjada. Sentiu-se impelido a buscá-lo, e sem saber ao certo o por quê, seguiu em direção a ele. Quanto mais avançava, mais sentia vontade de avançar. O casebre era simples, a luz alaranjada misturava-se com o luar, formando um espetacular brilho, que não passou despercebido por nosso herói. Sem cerimônias, abriu a porta. O casebre era de um só cômodo, e não havia ninguém lá. A luz alaranjada vinha da lareira, acesa e preenchida por fogo vivo e cativante. Do outro lado do cômodo, ao lado de uma janela, havia um piano, fabulosamente iluminado por aquela mistura de luzes. Nosso herói nada fez, havia sido transportado subitamente para sua infância, quando tocava alegremente, com suas mãozinhas pequenas, melodias de sua autoria. Finalmente, sentou-se em frente ao piano. Olhou a paisagem pela janela, os carvalhos, o balançar das folhas, sentiu uma brisa. Suas mãos guiaram-se sozinhas ao piano e sem tentar conter-se pressionou algumas teclas. O som encheu o casebre, e encheu a alma do Herói. Seguiu-se o mais belo Requiem já tocado em todos os quatro ventos. Embebido de música, o coração de nosso herói acalmou-se. E foi quando viu, surgindo na mistura da luz do luar e da luz do fogo, o rosto de sua amada sorrindo-lhe. Sorriu de volta e com uma lágrima a rolar pela face, ouviu o som doce da voz de sua noiva dizer-lhe..."Viva". Não havia parado de tocar e não parou. Cada nota lhe tomava o corpo e lhe devolvia a vida. Tocou até suas mãos doerem e adormeceu. Pela primeira vez desde a tragédia, sonhou sonhos alegres. Acordou no meio da clareira, ao som da cantoria dos pássaros e tocado pelos raios de Sol. O casebre havia sumido, o piano, a lareira, a luz alaranjada. Levantou e olhou em volta. Recordou-se da noite anterior e sorriu. Sorriu mais uma vez. Havia decidido viver. Sacudiu as folhas da roupa e seguiu, não mais pensativo, não mais amortecido, não mais anestesiado, e sim feliz. Via a beleza do caminho e cantarolava melodias alegres. O brilho espetacular da noite anterior havia sumido da paisagem, mas continuava vivo e forte em seu coração.
Marília M.
"Lux Aeterna"

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Passou

A ausência da presença
A presença da ausência
Tudo é falta e falta tudo
Um dia onde o vento não sopra
Mudo.
Respiração nostálgica dos dias passados
Sente-se encher os pulmões de dias que não voltam
E esvaziá-los com dor e lentidão
Com o esforço inútil de agarrar-se ao minuto
Dia de memórias, dia de passado.
Não voltam...

Marília M.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Horas

Foram duas horas. Que me pareceram quinze minutos.
E que eu queria que fossem anos.
Na intensidade dos segundos que passaram, a leveza dos olhares que se cruzavam.
Assim, como quem não quer nada, mas que diz tudo sem falar.
Regados a meia taça de vinho, a risadas, a toques ansiosos...e suaves.
Abraços que pediam pra ficar mais um pouquinho, só mais um pouquinho.
Cara de pau, me aproximava.
E sentia. Como se as imagens inundassem os olhos pela primeira vez, como se o som vibrasse pela primeira vez, como se vivesse pela primeira vez.
Sentia, como criança que se apropria do novo mundo.
Tornou-se inesquecível.
Lindas horas. Exultantes horas. Expressivas horas.
Finitas.
Se foi e não voltou.
Fiquei. Por mais algumas horas...e fui também.
De volta ao comum, onde as horas são só horas.

Marília M.

sábado, 30 de maio de 2009

Gente

Todos os dias eu subo no ônibus.
Todos os dias passo pelo motorista, passo pelo cobrador, passo por pessoas.
Sem quase olhar nos olhos, sem quase dirigir a palavra, sem quase...
Sento ali no lugar vago, qualquer um, não me importo.
E quem se importa?

O que o outro do seu lado pensa?
Quem ele é?
O que faz?
De onde vem?
Pra onde vai?
O que é que sente?
Com o que será que sonha?
Quais seus segredos?
Será que pensa, desse mesmo jeito que eu, no que será que os outros estão pensando?

Um dia ofereci uma bala à um vizinho de banco... me olharam feio.
Olhares que me acusavam de um crime que nem eu sei qual foi.
Me acusavam de tentar diminuir o tédio de uma viagem longa, cheia de buzinas, carros, semáforos e gente apressada.
Me acusavam só por me aproximar, fazer contato, dar um sorriso, ser humana.

Acho que tem gente esquecendo como faz pra ser gente.
Gente antes do trabalho, gente antes da idade, gente antes do gênero, gente antes da profissão, gente antes de tudo.
E assim desço do ônibus. Sentindo falta de ser gente.

Se me encontrar por aí, no meio dessa vida sem vida, diga oi.
Eu te conto como foi meu dia, você me conta como foi o seu, falamos de livros, de filmes, de música, de poesia, de como foi chata a sua semana!
E então continuaremos a vida, agora um pouco mais viva, sentindo enfim, que ainda tem gente por aí.

Marília M.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Não

Eu não sou o teu brinquedo
Boneca de pano com enchimento de feltro
Não sirvo de joguete, palhaço de enfeite
Não sou objeto pro teu desejo
Não me use pra suprir a falta
Nem me trate como se fosse nada
Porque dentro desse corpo tem alma!
Eu sou. Eu sinto e sou.
E sou sem você mandar
Sem você querer, sem precisar.
Tua necessidade não é base da minha vontade
O teu querer não é o meu
E o meu mundo, menino, não é teu.

Marília M.